sexta-feira, 1 de março de 2013


Então...Bar do Gerson, uma galera em mesas aqui e ali; lá estava Astrogildo, com uma garrafa de cerveja, olhando o movimento das ruas Riachuelo e Lavradio. Vez ou outra se lembrava da sua periguete que partira para o ocidente. Como ela estaria? Loira? Ruiva? Gorda? Magra? Tomava um gole de cerveja, por um momento pensou em cigarro, mas Astrogildo parou de fumar fazem três anos, então....fazem três anos que não fuma, e de repente lhe deu vontade de fumar. Como? Droga, Astrogildo tratou de mudar o pensamento; e ficou pensando em como poderia mudar seu pensamento, se pensar pra ele significava a periguete que foi morar no ocidente. Como alguém poderia morar no ocidente? Pensou Astrogildo; como uma periguete viveria no ocidente? Não, o ocidente não é lugar pra periguete, e justamente a sua periguete. A periguete que não se importava em sentar-se no quadro de sua bike e sair pela lapa com seus cabelos brilhando nos reflexos das luzes dos bares que quase não respiravam com o acúmulo de beberrões que se espalhavam pelas calçadas e ruas da velha nova lapa jovem do terceiro milênio. Uma Lapa nada arredia, uma Lapa de encantos e desencantos. Uma Lapa quase dourada se não fosse a falta de higiene que ofusca e cega os olhares na ardência do mau cheiro de esgotos e banheiros químicos esquecidos pela prefeitura desde o carnaval. Não, a Lapa não era mais a mesma para Astrogildo, quem iria olhar pra ele e dizer que não daria pra ele nunca mais, e logo depois lhe dava um beijo que parecia infinito e curto, suave e violento, enfim; o beijo que ele jamais esqueceria mesmo se vindo milhões de beijos depois. Somente sua periguete beija assim, ele não conseguiria mais olhar pra Lapa e observar a meninice das barracas de cachorro quente que se espalhavam pelo largo  incendiando o ar com um cheiro forte de salsicha e cebola. Quem o faria comer churrasquinho de gato embaixo dos arcos às 4 da manhã? Astrogildo estava desolado, de novo teve vontade de fumar. Não, fumar seria fundo de poço, e o pior fundo de poço que ele já assistiu, e ele não estava em um fundo de poço, ele só estava com saudades, e saudades passam, isso, se fumasse não passaria, não, fumar não. Isso não. Se é que ficar sentado na lapa, tomando cerveja pensando na periguete, olhando pra rua e nem conseguindo avistar mulher, em uma cidade que tem mulher a cada esquina, a cada  metro, e mulheres....lindas. É, isso é um fundo de poço, não conseguir olhar para o prédio que ela morava na rua dos inválidos, ficar esperando o telefone emitir o som da música da ligação da periguete, é, ele tava mal. Astrogildo está distante, ele está navegando em seu fundo de poço, nem percebe Marinha lhe dando um beijo no rosto, sentando-se.

-Astrogildo, viu só? Pois é, sabe aquela periguete que tu pegava de vez em quando? Menino, nem te conto, a Kátia disse que ela vai se casar lá no ocidente. Ta vendo? Uma periguete se casando no ocidente, imagina, deu, deu, e agora vai casar no ocidente. Astrogildo, como alguém pode se casar no ocidente? Que coisa, né? E como homem gosta de ser corno, casar com uma periguete no ocidente. Você que fez certo, mandou ver e mandou pro ocidente, você até pode cantar; ESSE CARA SOU EU....ha haha...essa aí....

Astrogildo olhava pra cara de Marinha sério, ela não entendeu, e fez cara de surpresa, ele continuou sério olhando pra Marinha, ele a odiava naquele instante, ele odiava Marinha, ele tinha certeza disso, mas não aceitaria ir mais fundo no poço, que seria aturar Marinha naquele instante solene de total admissão de sua perda. Não, Marinha não, a ironia de Marinha o deixara indignado.

- O que é Astrogildo? Coloca aqui cerveja no meu copo, ta doido, é? Ou ta diante de um fundo de poço, não consegue nem falar, seu olhar acusa caos. Credo Astrogildo, melhora essa cara. Coloca a cerveja aqui, anda.

Astrogildo continua sério olhando pra Marinha, coloca a cerveja em seu copo, continua sério, pensa em cigarro, Marinha acende um cigarro, ele continua sério, olhando para o cigarro de Marinha, não, ele não vai fumar, ele não quer fumar, é só uma vontade, ele não, fumar não, sem periguete, ouvindo Marinha, fundo de poço, Marinha fumando, ele com raiva, não, fumar não, não mesmo. Ele esta em um fundo de poço, fumar não, isso não, Astrogildo começou a sentir o desespero, tomou um copo de cerveja, olhou pra rua, respirou, sentiu o cheiro do cigarro de Marinha. Alguma coisa tinha de ser feita, ele precisava fazer alguma coisa.

- Marinha! Eu estou de saco cheio de lapa, de discurso social sobre meninos de rua, estou de saco cheio do mal cheiro da lapa, da lapa ficar com as ruas fechadas toda sexta, sábados e feriados, de mijarem no meu carro, no meu prédio, estou de saco cheio de passar nos arcos pela manhã e um cheiro de mijo azedo e esgoto invadir-me de uma forma agressiva e desprezível. Eu não agüento mais o mau cheiro dos banheiros químicos que a prefeitura esqueceu na lapa desde o carnaval. Eu não agüento mais Marinha, eu não agüento mais me sentar aqui e querer ficar sozinho e sempre apraecer alguém e sentar-se ao meu lado e me encher o saco, eu não agüento mais esse negócio de todo mundo se encontrar na lapa, eu quero privacidade, eu quero privacidade. Fui!!!

Astrogildo levantou-se e saiu como um louco pela rua do lavradio, Marinha pasma estava e pasma tirou mais um trago do cigarro, engoliu um gole de cerveja, e continuou pasma.

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